segunda-feira, 2 de novembro de 2009

E o que eu ganho com isso?

Iow

Semana passada ocorreu um fato estranho na empresa em que trabalho. Estávamos todos os nerds seguindo a rotina normal, desenvolvendo software, resolvendo bugs, fazendo café, quando chegou o diretor de tecnologia no recinto:

"Precisamos da solução XYZ o quanto antes. Ela nos fará fechar o maior negócio que a empresa já fechou!"

Então nos entreolhamos começamos a analisar o quão complexa era a solução:
  1. Envolvia tecnologias nunca antes trabalhadas pelo setor de desenvolvimento;
  2. O usuário final da solução tem um perfil completamente diferente do usuário com o qual estamos acostumados a lidar;
  3. Outros projetos precisam de atenção, reduzindo o tempo útil para o novo projeto;
  4. Não haveria apoio de outros setores (como design e qualidade) para o novo projeto, dado que os outros setores também tinham projetos em andamento.
Enfim, o veredicto foi que a solução não poderia ser feita em curto espaço de tempo. Os desenvolvedores voltaram para a rotina, e o diretor voltou para sua sala, com nítido ar de desapontamento.

Até aí "tudo bem". Mas o que há de tão estranho nesse fato, que me motivou a criar esse post?

Um detalhe passou desapercebido: "... o maior negócio que a empresa já fechou!".

Exatamente. A empresa estava diante de um projeto que traria grandes e diretos rendimentos financeiros, e mesmo assim o time de desenvolvimento encontrou mil e uma desculpas para não executá-lo. E pior: ninguém sequer se motivou com o fato de ser o maior projeto da empresa até então. Não ouviu-se um sequer "que bom!", "que legal!" ou afins. Todos olharam, encontraram motivos para não fazer (ou no mínimo postergar), e voltaram para suas rotinas.

Fiquei pasmo com esse fato, principalmente porque eu era um dos que fez isso. Seria problema meu? (coisa que todo psicólogo tenta te convencer: ou o problema é seu, ou é a sua percepção).

O problema é que toda a equipe não se sentiu motivada. Não foi um ou outro, foi toda. Não foi um ato que todos se esforçaram para fazer. Foi natural, espontâneo. E não parou por aí. Longe dos ouvidos do diretor, comentários destrutivos foram gerados:
  • "Aposto que venderam, de novo, algo que nem tá pronto..."
  • "Venderam? Acho que deram de graça de novo..."
  • "Tô vendo que isso só vai trazer dor de cabeça..."
Agora vem o X da questão: Por quê?

Por que o time de desenvolvimento, que é o responsável pela criação de tudo que é comercializado pela empresa, está se comportando desse jeito? Que time é esse, que ao invés de se unir para vencer os desafios, se protege usando argumentos tão mesquinhos? Será que o time não enxerga que se a empresa crescer, todos vão crescer junto?

Depois de muita análise, eu cheguei em um porquê. Vamos aos fatos:

Todo e qualquer curso de gerência, seja gerência comercial, financeira, de recursos humanos ou de software, fala sobre o tema "Metas". Obviamente, as metas de uma gerência diferem muito das de outras gerências. A gerência comercial prioriza a venda, a de software prioriza a qualidade, a de suporte prioriza o serviço junto ao cliente. Mas todas possuem metas.

Essas metas não são criadas ao esmo. "Eu acho que vender 100.000 unidades por mês é uma meta" - não existe. Metas devem ser criadas de acordo com a equipe, de acordo com o que cada um é capaz de alcançar.

E agora vem uma das mais complicadas definições: meta alcançável.

Uma meta alcançável é aquela que é precisa, objetiva, que tem um prazo para acontecer. Ela tem que ter um objetivo em que se possa chegar. Tem que ser viável. É diferente de um sonho.

E da psicologia tiramos que o ser humano trabalha melhor com metas alcançáveis em curto prazo. Por exemplo:
  1. Em 2010 vou emagrecer;
  2. Em 2010 vou emagrecer 20 quilos;
  3. Vou emagrecer 500 gramas por semana, até o final de 2010.
Independente dos valores, a meta 1 é dificilmente alcançável, dado que não é específica. A meta 2 é melhor que a 1, porém seu prazo é muito longo: geralmente a pessoa vai começar a emagrecer no começo do ano, mas vai desistir antes da metade... e tentar retomar faltando 1 mês pro fim do ano.

Já a meta 3 é mais alcançável. Ela possui clareza e objetividade, além de ter um escopo focado em um curto espaço de tempo (uma semana). É fácil dizer, no meio da execução da meta, se a pessoa está indo bem, ou tem que melhorar em algum ponto.

Isso vale para quaisquer metas. Aquilo que é dado como meta, mas vai demorar muito para acontecer, não é desafiadora ou estimulante: a meta já começa fracassada.

Mas o que todo esse lero-lero tem a ver com os desenvolvedores focados na rotina?

Vamos analisar como os setores trabalham, focando nos setores envolvidos na problemática: o desenvolvimento recebe os requisitos, os implementa e os entrega. Existe um processo interno para garantir a qualidade e a documentação do software criado. Todos recebem seu salário fixo mensal. Independente do projeto, das tecnologias utilizadas, das vendas que determinado projeto geram, se uma solução é muito boa ou muito ruim, todos ganham a mesma coisa todo mês.

O setor comercial funciona como o setor comercial da maioria das empresas: trabalho comissionado. Se o vendedor vende bem, ganha bem. Se não vende, ganha mal.

Então começamos a ver o primeiro sintoma. Fazendo ou não fazendo, pro desenvolvimento não muda nada. É como se a cada linha de código digitado, soasse na cabeça do desenvolvedor o título desse post.

Mas espera! A empresa possui um plano de cargos e salários. Se a pessoa se destacar, vai melhorar ao longo do tempo. Portanto o desenvolvimento tem sim o que ganhar.

Além disso, como se não bastasse, a empresa possui uma política de participação nos lucros. Se a empresa vai bem, todos ganham com isso.

Portanto o desenvolvimento, mesmo de barriga cheia, fica fazendo corpo mole. Certo?

Eis que entra aquele papo sobre metas alcançáveis. Para os setores produtivos, nenhum dos benefícios (carreira e participação nos lucros) entram como "metas alcançáveis a curto prazo". Motivos:
  1. A pessoa é avaliada segundo o plano de cargos e salários anualmente. É difícil de se manter motivado por um ano todo esperando a avaliação: acontece como no caso do regime para 2010;
  2. Os benefícios de se passar de uma faixa para outra no plano, em alguns casos, não vale o esforço;
  3. A participação nos lucros, além de também ser anual, depende de muitos fatores, além do faturamento. Depende dos gastos, dos planos da empresa, das políticas de RH, do humor do mercado... Essa gama de variáveis só deixa a participação nos lucros estimulante no final do ano, quando a meta fica com mais cara de alcançável (ou não).
Fora esses fatores, o setor produtivo raramente tem noção de como a empresa está, fora quando está mal. Assim fica difícil de se medir se as metas estão caminhando bem.

E eis que toda essa gama de fatores resultou num espontâneo ato conjunto de rejeição a novos e grandes projetos.

Substituí ao longo do texto os termos "setor de desenvolvimento" por "setor produtivo" porque essa falta de motivação não é um problema só de empresas de TI. Existe uma mentalidade de que quem vende, merece uma bonificação, afinal ele se esforçou. E quem produz, não faz mais nada do que a obrigação.

Resumindo: quem cria e implementa as soluções tem que fazê-lo, pois é contratado pra isso. Quem vende, tem sempre um objetivo, uma meta (alcançável) a ser atingida. Trabalhar sem metas alcançáveis é o mesmo que trabalhar sem rumo: chega uma hora que desanima.

Uma equipe desanimada é o prelúdio do fracasso. Apesar de "funcionar bem", tratar pessoas como máquinas pode ser um tiro no pé. Quando uma empresa depende de criatividade para se manter no mercado, é necessário que todos os setores estejam entusiasmados, não só quem vende.

Diagnosticado o problema, então qual é a solução?

Existem várias soluções para esse problema, cada uma fazendo mais ou menos a mesma coisa que o desenvolvimento fez:
  1. Esse problema não existe. É coisa da minha cabeça, e que que deveria me tratar. Isso faz parte da crise dos 20 e tantos anos, sabe como é...;
  2. Simples, manda embora quem não quer trabalhar, e contrata quem queira;
  3. Dá aumento pra todo mundo... Assim eles não tem do que reclamar;
  4. Todo mundo trabalha assim, então contente-se.
A solução 1 é a que alguns já tentaram me convencer. Essa é uma das soluções mais evasivas que existe: não existe problema. Se existe, o problema é com você.

A solução 2 gera a temida rotatividade de funcionários. Com a rotatividade, perde-se muito tempo (e dinheiro), pois nenhum funcionário rende seu 100% do potencial nos primeiros meses de empresa. Além disso, o tal "se você não fizer você vai pra rua" é a inversão dos valores: ao invés de ganhar algo se fizer, você perde se não fizer. Essa metodologia funciona desde o tempo da escravidão: se fizer, tudo bem; se não fizer, leva chicotada. É mesma coisa, só em tempos diferentes.

A solução 3 é adotada por quem fracassou na na solução 1, tem medo da solução 2, e sabe que algo precisa ser feito. Então faz-se: dá aumento pra todo mundo. E o que acontece? Meses depois tudo volta a situação original, só que pior: pessoas desanimadas ganhando bem (o que é pior que pessoas desanimadas ganhando mal).

A solução 4 é tão evasiva quanto a solução 1. "Porque todo mundo faz assim" é a justificativa mais pobre e medíocre que existe. A pergunta que se gera com isso, para quem tem um mínimo de senso crítico, é "E por que todo mundo faz assim?". Raramente isso tem resposta. Essa justificativa funciona muito bem para ovelhas, não para Homo sapiens sapiens.

Bom, e a solução então?

Manter uma equipe motivada é um desafio e tanto. As pessoas tem que sentir que seus esforços valem a pena, e em curto espaço de tempo. O resultado é que elas se esforçam mais e mais. O contrário também é verdadeiro: se o esforço não vale a pena, elas se forçam menos e menos. O ser humano é assim.

A recompensa não precisa ser necessariamente financeira. Às vezes, uma simples citação, um elogio, um comentário, já salvam o mês de uma pessoa. Mas nada pode cair na rotina... é como nos relacionamentos amorosos. E é por isso que simplesmente dar aumento pra equipe não funciona como fator motivacional a longo prazo: o dinheiro a mais vem todo mês, independente do que aconteça... vira rotina.

Rotina. Essa é a palavra que deve ser abolida para se manter a motivação. Nada é tão destruidor, desmotivante e depressivo quanto a rotina.

Lembro que os meus picos de produtividade sempre foram ao redor de eventos que me fizeram sair da rotina. Participar de feiras com o foco da empresa, visitar clientes, fazer cursos, participar das decisões da empresa... Nada fez mudar o que eu tinha pra fazer, mas a percepção dos problemas e a motivação eram diferentes.

E você, como anda a sua rotina?

Té++